Não há dúvida: a imagem divulgada nas redes sociais e na imprensa na noite da última sexta-feira, 22, era de encher os olhos e impressionava qualquer folião. Era um multidão que se espremia ao longo da Av. Epitácio Pessoa - chamada agora de Via Folia - para acompanhar o bloco "Vumbora", puxado pelo trio elétrico do cantor baiano Bell Marques.
Multidão na avenida e multidão nos camarotes, todos ocupados por quem tem posses, afinal de contas para estar ali ou se compra uma farda (abadá) ou um espaço no camarote, nada barato para os mortais. E aí? O carnaval é uma festa popular? É para todos ou para alguns?
Alheia a esse questionamento que insistia em não me sair da cabeça, a elite pessoense se deleitava com, no mínimo, 30 anos de atraso. O carnaval nos moldes "Bel Marques" já não é novidade em nunhma parte do Brasil, mas chega a João Pessoa como se fosse a grande sensação do momento. O próprio Bel falou em entrevisa a uma TV local que está completando 40 carnavais em cima do trio elétrico desde sua estréia em Salvador. Dando um descontão de 10 anos até fazer sucesso absoluto, estaríamos apreciando o talentosíssimo cantor, com toda sua história e arte, com pelo menos três décadas de atraso.
A elite pessoense teve razão em se esbaldar. Afinal de contas, ela pode pagar e teve à sua frente um belo espetáculo, mas precisa saber que o carnaval se faz com a cultura popular, que é uma alegria espontânea vinda das comunidades, que é um movimento que vem dos grupos artísticos, todos juntos em um momento único em que ganham as ruas da cidade.
É uma pena assistir o nosso carnaval - aqui chamado Folia de Rua e Muriçocas do Miramar - descer a ladeira literalmente e se transformar no "mais do mesmo", passar a ser aquilo que já existe em quase todos os cantos do país. Além do mais, nunca seremos Salvador, nunca vamos ter o circuito "barra-ondina", mas já temos o "Miramar-Tambaú" e o "Praça do Bispo-Anthenor Navarro".
O que estão fazendo com o pré-carnaval de João Pessoa é o mesmo que já conseguiram fazer com o São João de Campina Grande. Uma imensa festa junina, já denominada "O Maior São João do Mundo" foi entregue a uma empresa privada, onde até a maior representante do autêntico forró na atualidade, nascida na Paraíba, foi deixada de fora da festa, sendo incorporada ao elenco de shows de última hora no ano passado.
Que falta de amor próprio e negação de sua cultura tem o paraibano! O forró é típico da Paraíba, tínhamos a maior festa do mundo numa cidade da Paraíba, uma cantora nacional e internacionamente conhecida que é paraibana, e transformamos tudo isso em um grande show de duplas sertanejas e cantores de sucesso do momento. É uma pena!
Depois do trio de Bell Marques na via folia - cuja festa vi apenas por redes sociais - fiquei a me questionar: será que seremos a Campina Grande da vez? Para minha surpresa e alegria ao abrir as redes sociais na manhã deste domingo, 24, me deparei com a notícia de que o bloco Muriçocas do Miramar vai abrir mão dos trios elétricos e fazer um desfile 'pé no chão", com grupos de maracatu e outras manifestações culturais, além de show da cantora paraibana Elba Ramalho, a homenageado deste ano. O cantor e compositor Fuba receberá a imprensa em sua casa para explicar a novidade.
Ainda bem que temos artistas como Fuba! Não faria sentido abrir mão de uma construção coletiva - iniciada há mais de três décadas por Vitória Lima, Gualberto, Fuba e outros artistas do Miramar - em troca de uma avenida lotada, cercada por cordões de isolamento, fardas para foliões e uma fumaça de óleo diesel vinda dos geradores dos trios elétricos.
Seria triste ver o Folia de Rua repetir Salvador quando sabemos que nunca seremos Salvador! Seria triste ver João Pessoa seguir na direção contrária quando os blocos de bairro ganham cada vez mais força em Capitais como Recife, Rio e São Paulo.
Enquanto eles olham para o futuro estávamos olhando para o passado, mas ainda temos Fuba e milhares de muriçocas no Miramar e adjacências.É só fazer um zum-zum-zum e um trê-lê-lê danado para, quem sabe, João Pessoa não "campinagrandear" de vez!